Um dos maiores dilemas das escolas contemporâneas é como fazer com que os alunos se interessem pelo que está sendo ensinado. Tarefa tão difícil quanto importante. O interesse é, de fato, um dos elementos fundamentais para o sucesso da aprendizagem. Quando não há interesse, diminuem muito as chances de aprender. Esse me parece ser um raro consenso no universo da educação, seja do ponto de vista lógico, empírico ou acadêmico. Também é comum a percepção de que há uma certa crise do interesse do aluno pelo o que é ensinado na escola. Não é raro — nem novidade — escutarmos que os jovens estão “desengajados” e “desmotivados”. Alguns mais pessimistas chegam a dizer que o jovem de hoje não se interessa por aprender nada. Será verdade? Será que vivemos uma crise de interesse do jovem por aprender?
Me parece que o problema não está apenas numa simples falta de interesse dos jovens, pois eles demonstram estar interessados e aprendendo várias coisas por aí. Jovens aprendem a falar inglês jogando videogame, aprendem produção audiovisual criando vídeos para o YouTube e para o TikTok e aprendem sobre os grandes dramas humanos assistindo a uma série coreana num streaming qualquer.
Portanto, o problema não parece ser a falta de interesse em si, mas, sim a falta de interesse pelo que — e como — está sendo proposto a se aprender na escola. Além das questões de currículo que essa discussão implica, um dos pontos centrais pode estar em como “fisgar” o jovem. E essa não é uma tarefa simples. Aliás, nunca foi. Tornar algo interessante para o outro é quase sempre uma tarefa hercúlea.
O interesse é um grande conector de coisas e, por isso, é tão relevante na aprendizagem. Em parte, é individual e está ligado a algo vantajoso, útil ou relevante para o indivíduo. Nesse sentido, podemos dizer que uma pessoa interessada é uma pessoa que encontrou a si mesma no objeto de interesse. Mas, por outro lado, temos de considerar a força de atração que o objeto de interesse exerce no interessado, envolvendo o aprendiz e determinando o que lhe interessa aprender. A própria origem da palavra interesse sugere aquilo que está entre (inter-esse). Ou seja, o interesse reúne o sujeito que se interessa e o objeto de interesse que, de outra forma, ficariam distantes. Estar interessado por algo dependeria, simultaneamente, da história de cada um e da forma como o possível objeto de interesse se apresenta.
Levando tudo isso em consideração, sempre que falam sobre o interesse do estudante dentro do processo de ensino-aprendizagem e do desafio que isso é para o professor, me vem à cabeça a imagem do pescador com seus apetrechos — especialmente suas iscas e seus anzóis — indo em busca do seu tão desejado peixe.
Um bom pescador, antes de qualquer coisa, é um grande conhecedor do peixe que pesca: sabe o que ele come, quando dorme, a temperatura preferida da água. Ele precisa conhecer também a anatomia do animal para escolher a melhor isca, vara e anzol. O pescador é obcecado por descobrir o que interessa ao peixe para que, a partir daí, possa traçar estratégias para fisgá-lo.
Com o bom educador acontece algo semelhante. É claro, ele tem de conhecer muito sobre o que está ensinando, mas também, e, principalmente, tem que conhecer muito mais sobre quem está apreendendo. Nós, professores, educadores e familiares, conhecemos nossos jovens? Sabemos o que eles gostam de assistir, ouvir, falar e fazer? Conhecemos a fundo sua cultura e os personagens dela? Quais seriam as histórias dessa cultura? Quais seriam seus valores? Para conhecer esse mundo, temos de mergulhar nele.
Vamos fazer um teste rápido. As palavras a seguir lhe soam familiares? Cellbit, Camila Loures, Dear Maidy, Manual do Mundo, O Que Não Dizer, FunBabe, Mari Maria, O (Sur)real Mundo de Any Malu, O Estranho Mundo de Gessy, Lucas Rangel, Dois Marmotas. São todos personagens da cultura de um adolescente de hoje. Se você já ouviu quase 100% dessas palavras: ótimo, você conhece a cultura do seu aluno ou filho. Se você conhece apenas 25% (ou menos), talvez você devesse mergulhar mais na cultura dele. Não precisamos nos “tornar jovens” para isso, mas temos de conhecer esse mundo de forma aberta e sem preconceito. É provável que, por causa do choque geracional, não consigamos entender muita coisa de imediato. É preciso insistir. Conhecer outra cultura é como apreender uma nova língua. No início, não conseguimos entender o que os outros falam; com o tempo, vamos compreendendo cada vez mais.
Para que o jovem tenha interesse por algo novo, esse novo tem que se conectar com o seu mundo e levar em conta o que o jovem já aprendeu. Existem muitas teorias pedagógicas consolidadas que destacam o quão importante é que o educador contextualize o conhecimento a ser ensinado para ocorrer a aprendizagem. Contextualizar é trazer elementos da vida real do aprendiz para que o novo conhecimento se ancore em conhecimentos já adquiridos e em necessidades reais e, com isso, o processo de ensino-aprendizagem ganhe sentido e significado.
Outra característica do pescador que se assemelha ao bom educador é sua habilidade de contar histórias — nem sempre verdadeiras, mas sempre instigantes. O bom professor costuma ser um excelente narrador. Usar técnicas de construção de narrativas para desenhar suas experiências de aprendizagem pode ser uma importante estratégia didática para gerar interesse e emocionar — aspectos fundamentais para que a aprendizagem ocorra. Contar histórias próprias, contar histórias dos outros, criar histórias ficcionais, propor que os estudantes construam suas próprias histórias pode aumentar muito o interesse. Esse poder das narrativas acontece pela própria lógica em que os jovens estão inseridos. Eles atualmente estão mergulhados — assim como todos nós — num gigantesco mar de narrativas. Narrativas estão sendo usadas nas redes sociais, nos games, nas séries e nos filmes como importante elemento engajador desses jovens.
Como um bom pescador que conhece tudo sobre seu peixe para poder fisgá-lo, nós educadores temos o dever de conhecer a fundo a cultura do aprendiz, sem preconceitos ou julgamentos, para, então, propor experiências de aprendizagem ligadas à vida e à cultura jovem. E, quando acharmos que conhecemos tudo sobre eles, virá outra geração e outra cultura. E nós, com a paciência típica dos pescadores, continuaremos a busca eterna para conhecer quem são nossos jovens e o que pode fisgá-los para escola.
Rodrigo Pucci é educador, psicólogo educacional formado pela UNESP, mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP. Atualmente é Diretor de Educação da Alice e designer de recursos educacionais no BiRô, estúdio de inovação e design educacional.